segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ao verme que primeiro roeu...


Cem anos. 1908. 2008. Embora a Literatura Brasileira não tenha ficado órfã pois,ironicamente, a morte e o nascimento de alquimistas da língua tenham enroscado-se neste ano, em 29 de setembro de 1908, a travessia entre o nada e o infinito de Machado de Assis completava-se.
Mulato, pobre, brasileiro. Destinado ao nada, ao ostracismo, brasileiro. Obstinado, inteligente, brasileiro. O menino do Morro do Livramento transformou-se no senhor do Cosme Velho. Machado de Assis, porque via por baixo da carne humana, porque enxergava o que o homem trazia preso aos ossos e às vísceras, porque observava a essência do homem, elevou-se da condição de miserável a de maior escritor brasileiro de todos os tempos, de todos os cânones, de todas as formas, de tudo que seja letra.
Machado entendeu, sentiu e viveu como um bruxo. Não desses que procuram espadas, desses que sentam em rios para chorar, desses que se fazem pela televisão , escrevem obviedades copiadas e maculam a memória de quem foi verdadeiramente bom. Viveu como bruxo, alquimista do idioma. Frase-ouro, palavra-re-trans-formada. Trouxe sentido, calor, arte a todas as gerações que tocou e que tocará.
Bentinho, Garcia, Conceição, Capitu, Virgília. Caminham por nossas ruas, imortais e vivos, com roupas de hoje, com idéias de sempre, imutáveis porque da essência humana são a maior metáfora. Candido Neves, Dona Plácida, Quincas Borba. Entram em escolas, pulam em academias, fingem prazer e até morrem todo dia, porque aqui estão, aqui misturam-se a nóe e a todos. O corpo de Brás Cubas apodrecido representa-nos mais que qualquer foto da Amazônia em chamas ou de mortos no Iraque. As noites de almirante que não tivemos, as marcelas que fomos... será perene o olhar debochado sobre nossa condição humana. Continuará perguntando “por que bonita se cocha? Por que cocha sem bonita?” para mostrar-nos a hipocrisia nossa de todo e de cada dia.
Cem anos. Joaquim Maria Machado de Assis, autor defunto. Joaquim Maria Machado de Assis, defunto autor recriando e recriado. Joaquim Maria Machado de Assis, bruxo do Cosme Velho. Cem anos de morto, para sempre vivo.

Um comentário:

Ana disse...

Adorei o texto Professor. Desejando reviver momentos deliciosos, estou novamente envolvida e entregue a Dom Casmurro. rsrs