quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O temível Bundossauro




Tenho um sobrinho que vive contando historinhas. Aliás, nisto ele não difere de nenhuma criança ou político: estes e aqueles vivem inventando histórias mirabolantes. Uns por invenção criativa e engraçada. Outros por falta de escrúpulos. Meu sobrinho, obviamente, por imaginação criativa.
Pois bem. Certa feita, a professora pediu às crianças da turminha do Jardim da Infância que contassem uma história. Algo deste tipo. Eis que, milhões de anos depois, surgiu, vindo da infantil, criativa e fértil mente de meu sobrinho, o ferocíssimo bundossauro. Bundossauro... Bem pensado, meu sobrinho. Bundossauro.
Em tempos como os nossos em que mulheres, depois de tantos anos de luta por respeito e reconhecimento, recebem a terrível carga de desvalorização de, acreditem, mulheres-fruta, mulheres-coisa (atenção: o segundo substantivo especifica o primeiro e, por isso, apenas o primeiro termo é flexionado), não é tão difícil perceber a existência de um animal tão feroz, desprovido de amor próprio e absolutamente vulgar dançado nas televisões, aparecendo em revistas e sites pornôs.
Bundossauro... atraente, crescido, arredondado, aparentemente inofensivo, mas trazendo em si uma carga de preconceito e desvalorização incalculável. Terrível este tal de Bundossauro. Nascido na esperançosa e pueril mente, o nome parece feito sob medida para uma gama de atitudes nada infantis que pretende preservar, através da superexposição do corpo, a mulher subjugada, reificada, coisificada.
Expor, submeter, dominar fingindo adorar... o Bundossauro cumpre seu papel. Bundossauro.... bem pensado, meu sobrinho, bem pensado.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Outro testamento


Oráculo do Senhor:
Respostas que não tenho
São proibições que te faço,
Medos que tenho
São os prazeres de teu regaço

Oráculo do Senhor:
Agora quem fala sou eu
E me tenho como
Testemunha
Do caos que me habita.

Oráculo do Senhor:
O que falas em tua defesa?
O que podes falar
Em minha presença?
O que és senão meu suspiro?
O que és senão meu medo?

Oráculo do Senhor:
Resposta que não tenho
Medo da sua eternidade.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Sem culpa

Pequei, Senhor,
Confesso
Minha culpa.
Lençóis, sombra,
A pele clara...
Confesso, Senhor,
A minha carne.
A carne forte,
Doce e sem espírito, Senhor, assexuado e bom.
Pequei, Senhor,
Violando a luxúria alheia,
Os pecados dela
E seus demônios...
Pequei, Senhor, assexuado e bom,
Porque, mesmo depois de amar,
Amei.

domingo, 2 de novembro de 2008

...


Encarcerado nas grades de açúcar,
Pena coração...
O que é não sei,
Mas dói, e mata,
E faz rir, e faz viver.
Daqui vejo outras flores...
Mas há grades!
Doces, grades, doces grades.
As flores não atinjo, não toco
E delas sinto o cheiro...
Vejo, não toco.
Morro para as flores,
Beijo-me como se as fosse.
Recolho-me por trás das grades
E vivo como se as fosse.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Pelo 28 de outubro


Obrigado pelos 30 títulos estaduais, pelo Mundial, pela Libertadores, pelo Penta do Brasileiro, pela Mercosul, pelo bi da Copa do Brasil, pela Copa dos Campeões, pelo Ramón de Carranza, pelas dezenas de torneios estaduais, nacionais e internacionais, pelas dezenas de títulos no remo, no basquete, no atletismo, no vôlei e em todos os esportes amadores, pelo carro da Race League e por Zico.
Neste dia e em todos os outros, rogai por nós, São Judas Tadeu, Padroeiro do Clube de Regatas do Flamengo.
PS- Providencia esse hexa aí, São Judas.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Oração da Noite


Filhos de Caim,
Vós que recebestes da mão de deus
A morte-vida eterna,
Ouvi-me!
O cadáver do juiz
Está dependurado no cadafalso
De seu próprio julgamento.
Eu sou o núncio
Do novo evangelho,
O arauto e o archote
Do Patriarca Notívago.
Ouvi-me que, do átrio
Do novo templo,
Vislumbro os átrios pulsantes
Do encarnado nutriente.
Filhos de Caim,
O silogismo se completa:
Deus criou o mal;
A árvore má dá maus frutos...
O silogismo se completa.
O pai reconhece o filho
No instante do paroxismo mortal.
Vós sois herdeiros do mundo
E eu vos anuncio a herança.
Tragam ao altar, cainistas,
O óbolo há tanto guardado.
Hoje o zigoto do novo tempo se formou,
Hoje a ulceração fatal iniciou-se
No seio dos diurnos...
Vinde, Filhos de Caim,
Vede a evaporação
Das carnes no altar,
Vede o sangue
Das vítimas
E fazeis vossa oração.A noite chegou!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Depois


Suave chama, carne
Arde a alma dos amantes
Noite adentro iluminando
A solidão partilhada.
Corpos satisfeitos
Almas mortas
Solidão partilhada
Fúria amansada
A torrente de antes
Escorre fina e frágil e viscosa
Pelos corpos cansados.
Almas entorpecidas despertam
Solitárias recusam-se uma a outra
Só a solidão é partilhada.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

15 de outubro: uma reflexão e um obrigado


Nos idos anos 80, foi produzido um filme que mudaria minha vida de forma radical e definitiva: Sociedade dos Poetas Mortos. Fiquei pensando se algum professor podia dar a seus alunos o senso de liberdade e de questionamento que o Mr. Keating dava a seus pupilos. Alguns anos depois, Ziraldo deu vida a outro modelo de educador que me encanta em Uma professora muito Maluquinha. O respeito que aquela senhorita dedicava a seus alunos, a forma como incentivava a leitura serve de parâmetro para muitos dos meus colegas e seria um ótimo motivo de reflexão para tantos outros.
Acho que tive sorte. Fui aluno de Claeis, professora primária, daquelas que incentivam, dão bronca e carinho e nos fazem ter saudades. Muitos outros marcaram-me. Química até parecia coisa de gente nas aulas de Antônio Carlos. Dalva e Lea Calvão têm um talento genético para mostrar Literatura de forma prazerosa. Aula de Sílvio Renato Jorge e lá iam as naus por mares nunca dantes navegados. Lúcia Helena e o rosto trasfigurado, elevado, semideusa falando de Clarisse. A voz e a letra da África nas aulas de Laura Padilha. O caldo cultural em que imergíamos nas quase mágicas aulas de José Carlos Barcellos. De fato, tive muita sorte.
Infelizmente, muitos colegas esmoreceram, relaxaram, desistiram. É fato: ganhamos mal, somos pouco valorizados e desrespeitados. Mas, é justamente por isso que ainda somos tão importantes. É justamente por isso que a cada dia temos que pensar e repensar, que temos que nos preparar, que devemos assumir a condição e a responsabilidade de educar. É justamente por isso que devemos vivenciar a esperança.
Precisamos de professores-leitores, que considerem os alunos mais que simples nomes em murais ou soldados a serem monitorados. Precisamos de professores humanos, que tenham ou queiram ter filhos porque acreditam mais na humanidade que em sistemas filosóficos, econômicos ou políticos. Em suma, precisamos de mais Mr Keating, mais professoras maluquinhas. Impossível? Não. Em minha vida tive muitos deles. Claeis, Sílvio Renato Jorge, Laura Padilha, Lúcia Helena, Dalva e Lea Calvão, Antônio Carlos, José Carlos Barcellos... todos de carne e osso, mas cheios daquela mágica luz que separa os professores dos ensinadores, todos com aquele brilho nos olhos que faz a gente lembrar deles com carinho durante toda a vida e repetir “obrigado” baixinho a cada dia 15 de outubro.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Minha estante


As espumas flutuantes levam a jangada de pedra por mares nunca dantes navegados: mensagem. A voz e a letra juntam-se neste mar, levam estas naus, o esplendor de Portugal.
E são cercos e evangelhos segundo este ou aquele, são arcos e liras, cidades e pilares, viagens em minha terra, carrilhões, vermelho e negro, crônicas de mortes que se anunciam. A poeira e os olhos correm sobre os títulos e sobre as cores...
A estante. Palco e altar. Dela retiro tudo o que penso, o que vejo e o que quero. Ali minha memória vira memórias de sargento e de defunto, memórias de jagunços e de capitães e, quando finalmente chega a hora da estrela, vira a memória de minhas putas tristes.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Motivos para fazer versos


Para não ser compreendido,
Para debochar do vulgar,
Para mostrar-me ao mundo,
Para rir, para viver, para tripudiar.
Para me vingar da ignorância,
Para observar as formas,
Para deglutir as funções,
Para furtar-me da vida,
Para criar-descriar-ser-não-ser
Para, simplesmente, não-morrer.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Veredas


Poesia, prosa, prosear, demo, deus, fala, letra, voz, nós, o sertão-mundo.
Eu mudo, sertão seco, boquiaberto, estupefatisfeito, certo, incerto.
Cada letra, cada vírgula, cada neologismo... estive no nada e no infinito. Enquanto não chego a um nem volto a outro vivo minha travessia.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ao verme que primeiro roeu...


Cem anos. 1908. 2008. Embora a Literatura Brasileira não tenha ficado órfã pois,ironicamente, a morte e o nascimento de alquimistas da língua tenham enroscado-se neste ano, em 29 de setembro de 1908, a travessia entre o nada e o infinito de Machado de Assis completava-se.
Mulato, pobre, brasileiro. Destinado ao nada, ao ostracismo, brasileiro. Obstinado, inteligente, brasileiro. O menino do Morro do Livramento transformou-se no senhor do Cosme Velho. Machado de Assis, porque via por baixo da carne humana, porque enxergava o que o homem trazia preso aos ossos e às vísceras, porque observava a essência do homem, elevou-se da condição de miserável a de maior escritor brasileiro de todos os tempos, de todos os cânones, de todas as formas, de tudo que seja letra.
Machado entendeu, sentiu e viveu como um bruxo. Não desses que procuram espadas, desses que sentam em rios para chorar, desses que se fazem pela televisão , escrevem obviedades copiadas e maculam a memória de quem foi verdadeiramente bom. Viveu como bruxo, alquimista do idioma. Frase-ouro, palavra-re-trans-formada. Trouxe sentido, calor, arte a todas as gerações que tocou e que tocará.
Bentinho, Garcia, Conceição, Capitu, Virgília. Caminham por nossas ruas, imortais e vivos, com roupas de hoje, com idéias de sempre, imutáveis porque da essência humana são a maior metáfora. Candido Neves, Dona Plácida, Quincas Borba. Entram em escolas, pulam em academias, fingem prazer e até morrem todo dia, porque aqui estão, aqui misturam-se a nóe e a todos. O corpo de Brás Cubas apodrecido representa-nos mais que qualquer foto da Amazônia em chamas ou de mortos no Iraque. As noites de almirante que não tivemos, as marcelas que fomos... será perene o olhar debochado sobre nossa condição humana. Continuará perguntando “por que bonita se cocha? Por que cocha sem bonita?” para mostrar-nos a hipocrisia nossa de todo e de cada dia.
Cem anos. Joaquim Maria Machado de Assis, autor defunto. Joaquim Maria Machado de Assis, defunto autor recriando e recriado. Joaquim Maria Machado de Assis, bruxo do Cosme Velho. Cem anos de morto, para sempre vivo.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Tiro os óculos
ponho o ósculo
sobre sua boca
sem óculos
com ósculo
um beijo
na boca

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Dúvida


Em que caminhos?

Em que vidas?

Em que dúvidas?

Em que dívidas?
Origem e fim.

Dúvida.

Morte ou vida,

Dúvida.

E nesta rede

Me emaranho, me enredo,

Me enrolo,

Me endivido,

porque da vida,

da dúvida,

da dívida

não sobra mais

que a certeza vaga

da interrogação

no fim de tudo.


quinta-feira, 17 de julho de 2008

Sexo


Entre promessas

Paraíso

Entre os pilares

Suspiro

E completamos a vida

Em dois instantes

De amor e carne

Entre pernas

Em que sou deus

Entre seios

Em que durmo

Sou este que a conduz

Por instante de mim

Por ser deus

entre suas pernas

por ser deus

em seu dormir.

sábado, 12 de julho de 2008

Dona do tempo


Atrás do relógio
mora uma velha
que tece na roca
um enorme vestido
que tem no rosto
rugas de séculos
que, impiedosa,
destrói templos
castiga homens
separa amantes.

Atrás do relógio
mora uma velha
que vira a ampulheta da vida
vê a areia caindo
e ri
por um centésimo de segundo
que faz parar o mundo
que faz andar o mundo
que tece o vestido dos anos
o vestido do tempo
o vestido da vida.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Depois do muro


Depois do muro nada havia,
Terreno vazio.
Larguei ali minhas esperanças:
As que tive e as que não poderia ter tido;
Enterrei ali minhas certezas:
As eu não tive e as que não deveria ter tido.
E vi que o muro era feito de nada,
Um nada concreto,
De uma solidez etérea...
Revestido de hipocrisia,
Pichado com nomes sem significados,
Sem tradução...
E o muro era engano,
Dividindo o que existe
Do nada concreto e etéreo,
Passado e eterno.
O que havia por trás do muro
Era nada,
Era imaginado,
Hipocrisia
Com o nome de religião.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Sobre um quadro de Botticelli



Aceito-me
Perdido nesse vento
Nesses cabelos
Aceito-me amando
Ou amante
E os ventos
Os elementos
Do quadro
Ou do amor
Assim vejo
Assim quero
Assim sou.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Anos 80



Flamengo campeão do mundo, IBM PC, Apple Macintosh, primeiras interfaces gráfica (Windows e MacOS), desenvolvimento do CD, lançamento da estação espacial MIR, União Soviética, popularização dos computadores pessoais, walkmans, videocassetes, Revolução Iraniana, Guerra das Malvinas, ascensão do movimento Solidariedade na Polônia, queda das ditaduras militares na América Latina, queda do Muro de Berlim, O massacre na Praça da Paz Celestial, rock, punk-rock, gótico, new wave e pós-punk, thrash metal, speed metal, black metal, MTV, Rock in Rio, Aborto Elétrico, Barão Vermelho, Biquini Cavadão, Blitz, Camisa de Vênus, Capital Inicial, Cazuza, Engenheiros do Hawaii, Ira!, João Penca e Seus Miquinhos Adestrados, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Legião Urbana, Lobão, Lulu Santos, Os Paralamas do Sucesso, Raul Seixas, Rosana, RPM, Sidney Magal, Titãs, Ultraje a Rigor, A-ha, AC/DC, Aerosmith, Air Supply, Alphaville, B-52's, Bauhaus, Billy Idol, Bon Jovi, Bruce Springsteen, Bryan Adams, Cyndi Lauper, David Bowie, Dire Straits, Duran Duran, Elton John, Erasure, Eurythmics, Faith No More, Freddie Mercury, George Michael, Guns N' Roses, Information Society, Lionel Richie, Madonna, Men at Work, Metallica, Michael Jackson, Milli Vanilli, New Kids On The Block, New Order, Nirvana, Paul Young, Paula Abdul, Pet Shop Boys, Prince, Queen, R.E.M., Red Hot Chilli Peppers, Roxette, Simple Minds, Simply Red, Skid Row, Stevie Wonder, Suzanne Vega, Tears For Fears, The Cure, The Pretenders, The Police, The Smiths, Tina Turner, U2, Vangelis, Van Halen, Whitney Houston, A Festa é Nossa, Chico Anysio Show, Chico Total, Bozo, Balão Mágico, Viva o Gordo, Malu Mulher, Clube da Criança, Fofão, Armação Ilimitada, Sítio do Pica-Pau Amarelo, TV Pirata, Alf, o ETeimoso, A gata e o rato, A ilha da fantasia, Agente 86, Águia de fogo, Automam, Casal 20, Chips, Duro na queda, Esquadrão Classe A, Profissão Perigo, Magnum, Manimal, Miami Vice, Missão impossível, O Incrível Hulk, Primo Cruzado, Robô Gigante, Spectroman, Super Máquina, Super Vicky, Trovão Azul, Aqua-play, Bambolê, Genius, Playmobil, Pogobol, Ioiô da Coca-Cola, Atari, Master System, Nintendo, Caverna do Dragão, He-Man, Scooby Doo, She-Ra, Smurfs, Snoopy, Super-Amigos, Thundercats, Zé Colmeia, Amadeus, Batman, Blade Runner - O Caçador de Andróides, Os caça-fantasmas, Crocodilo Dundee, Curtindo a vida adoidado,De Volta Para o Futuro, Embalos de sábado à noite, E.T, O Exterminador do futuro, Ghost– do outro lado da vida, Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida, Os intocáveis, Karatê Kid, Uma linda mulher, Mulher nota 1000, Mulheres à beira de um ataque de nervos, Nascido para matar, Platoon, Poltergeist, Rocky III, Rocky IV, Sexta-feira 13, Sociedade dos Poetas Mortos, Star Wars, Superman, Top Gun – Ases Indomáveis, Touro indomável, All Star, Kichute, datilografia, mimeógrafo, ficha telefônica, caneta de 10 cores, zebrinha do Fantástico, Neutrox, fita cassete, vinil, aeróbica, lambada, Lollo, chocolate Surpresa... e ainda dizem que os anos 80 foram a década perdida...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Centenário em 2091



Acho um pouco exagerada essa comemoração do centenário da chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil. Os japoneses têm mais a comemorar que nós. Demos a eles oportunidade de comer, beber e enriquecer em uma terra afastada de terremotos, neve e outros desastres naturais.
Não sou xenófobo. Tenho outros defeitos, mas não este. Acontece que, como Nélson Rodrigues já pregava, vejo em nós um complexo de vira-latas incrível. Não comemos peixe cru, não temos tara por sumô, não comemos pênis de baleia, não nos aliamos a Hitler, não ordenamos um estupro coletivo em um país inimigo... em suma, há contribuição japonesa em nossa cultura, mas nada que exija essa encheção de saco nas revista, jornais e telejornais. Os nipônicos é que deveriam estar soltando fogos pela oportunidade de viver em um país como o nosso.
Na relação Brasil-Japão, o centenário deve ser comemorado em 2091. Neste ano, estará completo um século dquilo que Zico começou: uma verdadeira revolução cultural. Observem as imagens do esporte e da visão que os japoneses tinham de si mesmos nos anos oitenta e compare com as de hoje. A olhos vistos os japoneses foram mais influenciados por Zico que os brasileiros pelos nipônicos.
Repito, não sou xenófobo, mas a encheção de saco extrapolou qualquer medida do bom senso. E, para que não digam que odeio o Japão, declaro uma enorme simpatia por qualquer país que ostente uma estátua de ZICO. O Japão tem este privilégio.
Nota: Observem como o Kashima, time japonês, usa hoje um uniforme muito parecido com um outro que conhecemos. Coincidência?

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Um velho ditado


Nadou, correu, treinou. Suou, tentou, esticou, puxou. Dopou-se, intrigou-se, superou-se. Conseguiu.
Agora, classificado, passaporte carimbado, bagagem arrumada, via-se diante do problema. Tentou não pensar. Pensou. Esqueceu. Lembrou. Era, de fato, um problema.
Recebeu o uniforme, benção do padre, oração do pastor, passe do pai de santo. Pose com os fãs, foto para o patrocinador, figurinha no álbum do moleque.E, antevendo uma decepção, pensava no problema.
Embarcou, dormiu, comeu. O avião aterrissou, taxiou, abriu-se. Desembarcou, alfândega. O problema. Sabia que aquilo ia acontecer. Teve de voltar ao Brasil. Tinha olho grande.

sábado, 7 de junho de 2008

Ao meu bebê

Amor,
Permita-me agradecer-te
As brumas em que me cegaste
Antes de revelar-se de todo
E por poder velar, em lágrimas insones,
O sono de si-mesmo em corpo de mãe
E de filho, dois e um.

Amor,
Permita-me os clichês
E os lugares-comuns
Que possam mostrar
Os sorrisos de minha criança
E o beijo de minha esposa.

Amor,
Permita-me apenas ser
Um homem
Na simplicidade da palavraE no encantamento de ser pai.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

?


Chegamos a um ponto interessante na história da humanidade: ou morremos de fome ou morremos por causa da poluição. Enquanto não morremos, vou vivendo...

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Inocência


Gira a roda,
gira como se fosse nada
a roda onde brincava
a inocência de ontem,
a inocência pela manhã roubada.

No sinal da vida eterna
sem inocência -
inocente e culpados –
estão a lágrima,
a carne violada,
as vermelhas marcas na pele.
No cruzamento da vida com a morte,
engraxando os sapatos divinos,
porque mortal é só menino,
há sangue,
há gente.

E gira roda...
é nada...
era vida...
era menino...
é mais nada.

sábado, 10 de maio de 2008

Mãe

Tudo a vida toda.

Era uma vez uma mocinha. Cega. Era uma vez um mocinho. Mudo. Não sei como, nem onde, se encontraram e se apaixonaram.
Ela jamais viu que ele era feio. Ele viu, mas, obviamente, não falou. E assim, não sei por quanto tempo, ficaram. Felizes porque ela não era capaz de ver o que ele não era. Felizes porque ele não capaz de dizer o que queria que ela fosse.
Continuaram assim felizes porque foram sempre o que sempre foram e nunca o que o outro queria que fossem.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Nação


Terra e mar
Sucumbem à beleza rubro-negra.
Filhos desta Nação,
Ouvimos os tambores da Raça,
Cantamos em louvor às suas Glórias:
Vencemos!Vencemos!Vencemos!
A aquarela mais bonita, gol do Flamengo.
A frase perfeita, “é campeão”,
Desde cedo conhecemos.
O sentimento mais profundo,
A dor mais dilacerada,
A alegria mais esfuziante...
No fundo, somos feitos
Apenas de raça, amor e paixão
Acima do mundo, acima de tudoRubro-negros.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Profissão de fé


Quando cri, nada vi.
Quando pedi, nada recebi.
Quando ouvi, nada percebi.
Vi
Que aquilo em que cri
Não estava ali
Porque ali era longe de mim
De ti,
De tudo que fosse bom ou ruim
Por que cri?
Por que vi?
Gente, deus e outras entidades
Fé, certeza e outras bobagens
Vi, cri
Mas, e daí?
Continuo aqui
E o mundo gira
Independentemente da vontade de deus,
Independentemente das minhas certezas,
Independentemente das fórmulas numéricas
E das explicações exatas
Que não satisfazem a alma que me convencionaram.
Porque cri e não vi,
Pedi e não recebi
E minha dolorosa e incômoda dúvida continua aqui.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Fenômeno mais que natural


Calmaria.
Venta!
Cheiro,
Anúncio de tempestade.
Beijos, ondas imensas de saliva,
Os corpos agitando-se.
Relâmpagos.
Chuva.
Corpos, procura,
Luz, abajur.
Tempestade
Sussurro, gritos, juras.
Corpos colados,
Ondas imensas, prazer
Crescem, crescem,
Explodem.
Corpos a pique, à deriva...
Olhares satisfeitos...
Calmaria.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Sobre o 8 de março






"Dizem que a mulher é o sexo frágil/mas que mentira absurda..."


(Erasmo Carlos)




Genair Menezes, Julie Goulart, Ana Néri, Anita Garibaldi, Joana D’Arc, Maria Madalena, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Rosa Luxemburgo, Marie Curie, Florbela Espanca, Tarsila do Amaral, Fernanda Montenegro, Benazir Buto, Evita Perón, Helen Greice, Anita Mafalti, Maria da Penha, Olga Benário, Inês de Castro, Princesa Isabel, toda e qualquer mulher... é... sem elas continuaríamos a ser só e parcamente homens.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Algumas bobagens que pensei


Renúncia de Fidel = pá de cal sobre o comunismo?
A China é realmente comunista?
Há algum comunista que, no Brasil, não seja empresário, ou não tenha um celular de ultimíssima geração, ou não seja boçal, ou não tenha menos de dezoito anos, ou trabalhe, ou não seja oriundo da burguesia, ou não fume maconha, ou não perca tempo matando aulas na universidade, ou que veja que Fidel foi mais ditador que líder, ou que não perturbe o juízo de quem não quer ouvir bobagens?
Se só Jesus salva, por que continuar com o Corpo de Bombeiros?
Por que ainda sinto o coração parar-palpitar-parar-palpitar-parar depois de ler pela milésima centésima octogésima nona vez na semana um soneto de Camões?
Por que explicar o mundo se é tão melhor observá-lo?
Além da esterilidade, o que leva uma pessoa a não querer filhos?
Pode alguém ser feliz sendo irremediavelmente chato, perfeito, exemplar e irritantemente metódico?
Se Deus existe, por que não ouve as súplicas dos que pedem para eu acreditar Nele?
Um pensamento vale o quanto produz ou produz o quanto vale?
Se para você eu sou o outro e para mim você é o outro, no final, quem é de fato o outro?
Se eu não tinha algo de bom para escrever, por que escrevi isto?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Letra versus número = Deus versus o outro


Sou partidário de que as letras são de Deus, seja ele quem for ou se for, e os números são do outro. Como todo mundo desta sociedade judaico-cristã, ocidental e burguesa, tenho como intertexto, pretexto, contexto, texto e exotexto a Bíblia. Não que acredite nela, mas citá-la dá um ar de verdade ao que se lê e ao que se escreve.
Para a Bíblia, Deus é o Verbo Divino. Percebeu? A Palavra tem tamanha importância que é nela que se manifesta a entidade antropomórfica toda poderosa judaico-cristã. O Verbo se fez carne. A Palavra é sinônimo de lei divina. Enfim, o que é verbal está ligado ao Bem, ao que de melhor se pode ter.
Por outro lado, o que está ligado ao medo, à escuridão humana está ligado também aos números (coincidência?). Ao descrever o número da Besta, a Bíblia desafia-nos a “calcular”. Calcular... isso sim é o anti-Cristo. Repare que o mais apavorante dos livros da biblioteca cristã, o Apocalipse, é envolto por misteriosos e assustadores números. Observe que, segundo São Paulo, a fé, a esperança e o amor são as bases dos valores cristãos: nenhum deles redutível a números.
O interessante é que mesmo o Corão, livro inimigo do Deus Único porque prega só haver um Deus Único, é definido como o pensamento de Deus “enlivrado”, ou seja, o que pensa o Divino em forma de letra.
E eu, meu caro amigo, que sou matemático e acredito em valores numéricos?”, perguntará um cidadão menos esclarecido. Pitágoras, ao definir a matemática, teve de recorrer às letras para que seu pensamento não se perdesse no vácuo eterno dos números. “A matemática é o alfabeto com que Deus escreveu o universo”. Ou seja, os números são apenas uma tradução do que já foi escrito ou pensado literalmente. Caro exótico, quando a matemática não se entende, não se conhece, não se reconhece ou é incógnita, desculpe-me o trocadilho, usa letras gregas ou não. Tudo na matemática que está para além da matemática transforma-se em letra...
E para que você, exótico ou não, não fique convencido do que falo, peço que pense. Amor, felicidade, realização e vida. Todos substantivos. Porque os números não traduzem sua vida... a menos que você seja uma calculadora. Maquinalmente.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Além


Olhar distante, além da janela, além do pátio da escola. Olhar vago, fugidio. Naquele instante só a visão, um único sentido, uma única sensação. Era os olhos. Todo olhos. Olhava além dos limites, além da janela, além do pátio da escola.
A impressão de já ter visto antes. Deja vu. Sonho de novo, realidade nova, imprecisão na certeza. Aquele rosto estranhamente familiar. Mona Lisa ou Tarsila? Um quadro. Talvez fosse isso. Mas, as cores eram vivas, caminhavam. Estavam além distantes, além da janela, além do pátio, mas estavam vivas.
Diluiu os olhos alguns segundos. As risadas da sala incomodaram a visão. Voltou a ver. Ela parada. Mona Lisa ou Tarsila? Ela olhou. Sorriu. Andou . Afastada. Ainda mais longe. Virou um ponto no infinito bairro além da janela, além do pátio. Um ponto em fuga.
Havia mais meninas, mais coisas, mais vida. Mas, nada interessava. Queria aquele rosto estranhamente familiar. Fechou o caderno. Voltaram os outros dispensáveis sentidos. Sirene soando. Fim de aula. Sono da tarde. Sono da tarde inteira. Jantar. Sono da noite inteira. Sonho: o mesmo rosto estranhamente familiar.
Despertador. Escova de dentes. Café. Ônibus. Inspetor. Sala de aula. Janela. Nove horas. Olhar distante, além da janela, além do pátio da escola. Ela. Mona Lisa e Tarsila. Sorriram. Um percebeu, pressentiu o sorriso do outro. Um quadro, criação visual. O rosto estranhamente familiar. Reconheceu: era o rosto do amor que aprendera nos livros, nas novelas e nas conversas. Sorriu novamente. Ela virou um ponto em fuga na infinita distância além da janela, além do pátio da escola. Fechou os olhos, assumiu os outros insignificantes sentidos e voltou a estudar geometria.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Poema à minha mãe e às outras mães


Antes de minhas palavras,
Ante de minha rima,
Antes de mim.
Feliz porque
“Só as mães são felizes”,
feliz antes de mim.
Hoje na irmandade
De minhas palavras reconheço sua voz madre,
Nem sempre santa,
Mas anterior a elas.
Vão para o papel com meus sonhos,
Com meus absurdos,
Com minhas decepções,
Com minha escuridão.
Escrevo, produzo, uso a razão...
Quanto disto é anterior a mim?
Quanto disto é seu
E, por isso, parte de mim?

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Pessoando


Cresce em mim a fadiga,
O cansaço do Pessoa,
O cansaço do mundo.
Sobre meus ombros pesa
O íssimo, íssimo, íssimo cansaço.
Crucificado, meu ânimo
Jaz na cova do desespero.
Tenho vivo em mim o cansaço
O fortíssimo, poderosíssimo,
Íssimo, íssimo, íssimo
Cansaço do Pessoa.
O que tenho em mim
É, sobretudo, cansaço.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Êxtase


A rosa agora vejo
Desejosa por meu desejo
Com pétalas rubras, ardentes , em êxtase,
Orvalhadas de prazer,
Fertilizada, rosa minha,
Neste momento minha,
Toda carnal e prazerosa...
Rosa...
Minha, só minha, rosa.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Carnes


Suave chama que na carne
Arde a alma dos amantes
Noite adentro iluminando
A solidão partilhada.
Corpos satisfeitos
Almas mortas
Solidão partilhada.
Fúria amansada
A torrente de antes
Agora escorre pelos corpos cansados.
Almas entorpecidas despertam
Solitárias
Recusam-se uma à outra
Só a solidão é partilhada.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Insanidade


Eu quis lutar
contra a razão,

mas ela tem uma faca...
e a faca fere.

Meu ego ainda sangra,
minha consciência sangra.

A razão é uma faca...
e a faca fere.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Disfarce de anjo


"Quero ter alguém
com quem conversar
alguém que depois
não use o que eu disse
contra mim"



Eu sei do mundo
Nada além deste quarto
E não tenho mais
Que o prazer ausente do corpo
E um corpo ainda que ausente
Me dando estas asas de anjo
Remoçando meu mundo inteiro
E sem pressa de voar.

Eu não tenho mais que asas,
Nada além de sonho de voar
Se ainda sonho não é no sono
E meu sono é de fugir
Não de descansar.

Eu não sou mais que fuga
E me basta o cansaço de olhar:
O mundo cabe no quarto
E o quarto no espelho
No espelho meu paradeiro
Não é sonho, nem asas
É saudade do que não tive
É desejo que não virá.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Poética


Quero poesia de palavra cortante
De tintas grossas e bolorentas
Que mancham o branco virgem
Das donzelas puríssimas
E assexuadas, intelectuais do meio-dia
Quero poesia fálica e viril
Que rompa o hímen do comum
Que macule a honra da hipocrisia
E suje de sangue os lençóis acadêmicos
Poesia da palavra nua
Sedutora, viril, fêmea, o que quiser
Nua, chocante aos olhos puristas
Vestidas, se assim preferirem
De palavrões, de sentidos chulos
Quero poesia da palavra cortante
Rompendo a leitura
Ferindo a hipocrisia que compreende tudo.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Asas de Ismália


Olhou as asas. Sabia-se anjo. Olhou-as mais uma vez, mas sem tanta certeza agora. Nunca tentava explicar as asas que lhe nasciam dolorosamente tão logo saía o sol e caiam ainda mais dolorosamente no primeiro raio de lua. Sabia-se anjo, mas já não tinha tanta certeza disso.
Um dia vislumbrou tudo o que aconteceria se vissem as asas. Tentou mutilar-se. Inútil. Era apenas uma dor a mais. No dia seguinte, sol saindo, asas novas. Proibiu-se de pensar no assunto. Depois do café, ia à escola sempre. Quase tudo igual sempre. A dor do nascimento cotidiano acabava e as asas ainda não eram perceptíveis na hora da escola. Apenas um dos meninos olhava para ela todos os dias e dizia “Anjo!”.
Convenceu-se de que era um anjo porque não entendia ainda das artimanhas sentimentais e das metáforas descabidas que o sentimento amoroso permite-se. Ele não sabia das asas, mas ela se sentia mais segura achando que o menino as via.
Deu-se o beijo. Deu-se a revelação: ela tinha asas. Ele só disse “Anjo! Meu anjo!”. Amaram-se tão intensamente que ela imaginou-se voando. Voou. Ele gritou “Anjo!” antes de acertar o chão e sentir como uma todas as dores oriundas das múltiplas fraturas. Mas, não se arrastaram as dores mais que uma volta do ponteiro grande no relógio.
A dor dela é que durou todos os dias em que desejou seu homem, que o amou fielmente casta e que foi o mais alto que pôde para vê-lo no céu. Olhou as asas. Sabia-se anjo. Olhou-as mais uma vez, mas sem tanta certeza agora. Certeza tinha apenas do vazio que fazia dela a mais oca das criaturas. Aladas ou não.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Cotidiano



O cheiro morno do café invadiu-lhe as narinas. Que saudade do mundo! Deitara para tirar seu cochilo e dormira 29 dias. Estranho, mas sabia quantos dias tinha dormido. Não foi fácil levantar a cabeça. As nuvens do sono ainda pairavam sobre ela e o mundo parecia embaçado. Mas, animado pelo cheiro pesado e vivo do café, levantou-se.
A família, incrédula, boqueabriu-se. Já a esposa contava o pouco dinheiro que tinha para o funeral. Ele sentou-se como há vinte e nove dias. Os filhos, o neto, a mulher ainda sem dizer palavra, pelo menos nada em nosso idioma ou em qualquer outro conhecido. A torrada foi besuntada com a manteiga. O café adoçado. Comeu pacientemente. Até que o filho disse “bom dia, papai”, “bom dia, meu filho”. Mais silêncio.
Foi ao banheiro para fazer a barba. A lâmina estava cega. Descartou-a. Pôs uma nova no lugar. Metodicamente, eliminou os pêlos já bastante grandes. Usou um gel ao terminar. Não se deu conta dos olhares pelo espelho. Não via os olhos de interrogação do neto, nem o de decepção do filho mais novo. Estava sendo o que sempre fora, não havia novidade naquilo. Mas, os olhares continuavam seguindo-o pela casa.
Deu comida ao cachorro, lavou o quintal, leu as correspondências. Conferiu as contas, reclamou do salário. Tomou banho, vestiu a camisa de seu clube, viu o jogo, torceu, gritou. Foi ao quarto, deitou-se. Aos poucos, foi sumindo, ficando etéreo, diáfano. Os olhares de lança ainda lá e lá ficaram até que nada mais pôde ser visto. Ele estava sendo o que sempre fora. E a paz voltou ao seio da família.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sobre um desenho de Nill Martins


Olhos
Pulseira
Mão
Sombra
Luz
Completude
Solidão
A pena desenha
Risca
Cria
Os olhos quase matam
A mão me leva aos olhos
E o resto me amedronta
Cabelo adivinhado
O seio antevisto
A pena
Risca
Ilude
A outra pena
Escreve
Ilude
As penas se juntam
Em um poema desenhado
Em um desenho de palavra
Mas, no fundo,
A sombra é que junta desenho e poema.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sem sentido


Não duvido apenas daquilo
Que posso tocar.
Onde andarão meus medos?
Crer já não é tão correto
Quanto era ontem.
Discordo de verdades absolutas
Só para mentir absolutamente
Para mim mesmo.
Carros, eras, mulher,
Amor, dinheiro, solidão...
Tudo passa...
Tudo passa...
Tudo passa...
Mas a dúvida não.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Poema escrito sob o céu


Construo em dois ou três minutos
Duas histórias
De amor
De fuga
De crer...
A quem possa interessar.
Ainda vai haver despedida
Ainda vai haver fim
Ainda vai haver o riso fortuito.
Mas a história
Torta e confusa
Existe e assombra.
Construo por dois dia a fio
Duas ou três histórias
De amor que não é amor
De fuga que é encontro
De crer que não existe...
A quem possa interessar
A despedida
O fim
E o riso.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

História para quem gosta de ser infeliz


A chuva refresca a vidraça. Pelas sarjetas, escorre a culpa do mundo. A chuva lava as ruas, mata um pobre coitado aqui, derruba um barranco lá. A chuva cai. Nem boa, nem má. A chuva cai.
Da janela do meu quarto, vejo a terra alimentar-se da vida do céu. Assim também me sinto: sugador de vidas. Não o vampiro dos livros, das revistas, do cinema, da televisão. Sou um vampiro de minha vida e de todos aquele que me cercam. Anti-social, egoísta e absolutamente contrário a toda forma de felicidade que não seja a que eu designar.
A chuva parou. Melhor sair de casa. Frio. A noite fria me invade os poros, bate-me na cara enquanto caminho pelo calçadão de Icaraí. Caminhar é tudo que ainda tenho. Paro. A noite escura esconde o que é feio, mas não minha estéril solidão: sem filhos, sem amigos. A noite esconde quase tudo, menos minha solidão de estéril.
Desviando-me de uma poça e outra, lembro-me de que hoje vi um desconcertante riso de minha vizinha. Nada haveria de incomum em um sorriso se ele não levasse, tal qual raríssima flor, vinte anos para desabrochar. Floriu e morreu em curto lapso de tempo eterno.
Estranhíssima vizinha. Por toda vida carregará a marca da morte da mãe e os gritos do pai dizendo que preferia ter salvado a mulher a ter visto o rosto da menina. Endurecida, nunca sorria a menina. Com o tempo, esqueceu até de como se chorava. Não sentiu paixões adolescentes, não mostra um sopro de jovialidade. Os olhos errantes, cegos do mundo.
Vinte anos de nada. Vinte anos de quase-vida. Vinte anos de comentários meus, de minha curiosidade mórbida. Hoje, vi seu sorriso. Decepcionado, confesso. Além de mim, só ela era infeliz, solitária. Entrei em casa ainda pensando no sorriso flor rara de minha vizinha. A chuva volta. A chuva refresca a vidraça. Pelas sarjetas, escorre a culpa do mundo. Nem boa, nem má. A chuva cai. A chuva lava o rosto de minha vizinha e forja ali mais um sorriso. Só eu, seco, estéril, egoísta, não tenho coragem de sair da minha condição de vampiro da vida e ser feliz. Fazer o quê? Abro o Manifesto Comunista e volto ao meu mundo de faz de conta.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008


Por enquanto me basta respirar,

ter pressão normal e funções vitais.

Por enquanto isso me basta.

Não quero pensar...

me basta viver.

Viver biologicamente.

Por enquanto me basta

ser um aglomerado de células,

uma grande reação química.

Por enquanto me basta.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Evapora minha vida


Evapora minha vida
Sobe até o seu palato
E,no céu da sua boca,
Condensa, nuvem beijada.
Precipito-me por seus seios
Chovo-me por seus poros,
Chuva suada.
Escorro por suas ancas,
Deposito-me em suas entranhas,
Poça exausta.
Evapora minha vida
Com o calor de seu útero
E de novo sou nuvem,
Presente e dócil,
No céu de sua boca.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Poema para Arthur


Olhar para além
e ver-te quente invisível
e ser-te parte e todo
trinos e unos
nós, pai, e mãe, e filho
espíritos e santos
quando, ainda célula,
pulsavas em nós, universo inteiro
e nós, pais de filhos sonhados,
sonhamos teu corpo na tela de riscos
e chuviscos
choramos tua presença doce e inquietante
e nós, unos e trinos
juntos
como nunca mais
entraremos na vida juntos
nasceremos quando nasceres
e viveremos na sua vida

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Visão


Nunca vira mulher como aquela. Dir-se-ia que flutuava pelas enlameadas ruas daquele fim de mundo. Era Eva, Afrodite, Vênus, Lilith, Artêmis ou qualquer outra visão divina, mas, definitivamente, não era deste mundo medíocre.
Na primeira vez que a viu, pensou que os sentidos o traíam. Um cheiro de jasmim anunciou a mulher e um clarão que cegava a sucedeu. Nada sabia sobre ela, mas se sentia apaixonado. Parecia fantástica, irreal, um conto de Gabriel García Márquez ou coisa que o valha. Uma mulher que era anunciada por jasmim e seguida pela luz.
Temeu não vê-la mais. E, de fato, levou tempo para de novo tê-la em seus olhos já que a tinha sempre e para sempre em seu coração, se é que o coração guarda o amor. Desta feita, viu seu rosto mais detalhadamente e a certeza que já tinha cresceu tanto que explodiu em forma de um copioso riso, como se fora um condenado a rir da morte porque tinha certeza de sua própria inocência. Ela percebeu, mas não riu. Espantou-se, mas continuou pairando sobre a lama do subúrbio e flanando por sobre o mundo.
E passaram-se dias, meses-anos, luas, sóis-nuvens, saudades e vontades. Quando a viu pela terceira vez, soube seu nome: Tereza. Encantado, cantou músicas infantis, aprendeu a flanar, pediu-lhe a mão em casamento, ouviu o redondo não, mas sentiu-se feliz pois ouvira a serenata de Deus.
Normalmente, aqui morreria mais um de meus personagens, não este. Porque quem é capaz de um amor como o dele, que não existe e que ainda assim se sustenta, não morre. Viveu só para sempre, mas viveu sustentando o mundo de amor por séculos e séculos e séculos e séculos e séculos e séculos, amém.