quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Êxtase


A rosa agora vejo
Desejosa por meu desejo
Com pétalas rubras, ardentes , em êxtase,
Orvalhadas de prazer,
Fertilizada, rosa minha,
Neste momento minha,
Toda carnal e prazerosa...
Rosa...
Minha, só minha, rosa.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Carnes


Suave chama que na carne
Arde a alma dos amantes
Noite adentro iluminando
A solidão partilhada.
Corpos satisfeitos
Almas mortas
Solidão partilhada.
Fúria amansada
A torrente de antes
Agora escorre pelos corpos cansados.
Almas entorpecidas despertam
Solitárias
Recusam-se uma à outra
Só a solidão é partilhada.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Insanidade


Eu quis lutar
contra a razão,

mas ela tem uma faca...
e a faca fere.

Meu ego ainda sangra,
minha consciência sangra.

A razão é uma faca...
e a faca fere.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Disfarce de anjo


"Quero ter alguém
com quem conversar
alguém que depois
não use o que eu disse
contra mim"



Eu sei do mundo
Nada além deste quarto
E não tenho mais
Que o prazer ausente do corpo
E um corpo ainda que ausente
Me dando estas asas de anjo
Remoçando meu mundo inteiro
E sem pressa de voar.

Eu não tenho mais que asas,
Nada além de sonho de voar
Se ainda sonho não é no sono
E meu sono é de fugir
Não de descansar.

Eu não sou mais que fuga
E me basta o cansaço de olhar:
O mundo cabe no quarto
E o quarto no espelho
No espelho meu paradeiro
Não é sonho, nem asas
É saudade do que não tive
É desejo que não virá.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Poética


Quero poesia de palavra cortante
De tintas grossas e bolorentas
Que mancham o branco virgem
Das donzelas puríssimas
E assexuadas, intelectuais do meio-dia
Quero poesia fálica e viril
Que rompa o hímen do comum
Que macule a honra da hipocrisia
E suje de sangue os lençóis acadêmicos
Poesia da palavra nua
Sedutora, viril, fêmea, o que quiser
Nua, chocante aos olhos puristas
Vestidas, se assim preferirem
De palavrões, de sentidos chulos
Quero poesia da palavra cortante
Rompendo a leitura
Ferindo a hipocrisia que compreende tudo.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Asas de Ismália


Olhou as asas. Sabia-se anjo. Olhou-as mais uma vez, mas sem tanta certeza agora. Nunca tentava explicar as asas que lhe nasciam dolorosamente tão logo saía o sol e caiam ainda mais dolorosamente no primeiro raio de lua. Sabia-se anjo, mas já não tinha tanta certeza disso.
Um dia vislumbrou tudo o que aconteceria se vissem as asas. Tentou mutilar-se. Inútil. Era apenas uma dor a mais. No dia seguinte, sol saindo, asas novas. Proibiu-se de pensar no assunto. Depois do café, ia à escola sempre. Quase tudo igual sempre. A dor do nascimento cotidiano acabava e as asas ainda não eram perceptíveis na hora da escola. Apenas um dos meninos olhava para ela todos os dias e dizia “Anjo!”.
Convenceu-se de que era um anjo porque não entendia ainda das artimanhas sentimentais e das metáforas descabidas que o sentimento amoroso permite-se. Ele não sabia das asas, mas ela se sentia mais segura achando que o menino as via.
Deu-se o beijo. Deu-se a revelação: ela tinha asas. Ele só disse “Anjo! Meu anjo!”. Amaram-se tão intensamente que ela imaginou-se voando. Voou. Ele gritou “Anjo!” antes de acertar o chão e sentir como uma todas as dores oriundas das múltiplas fraturas. Mas, não se arrastaram as dores mais que uma volta do ponteiro grande no relógio.
A dor dela é que durou todos os dias em que desejou seu homem, que o amou fielmente casta e que foi o mais alto que pôde para vê-lo no céu. Olhou as asas. Sabia-se anjo. Olhou-as mais uma vez, mas sem tanta certeza agora. Certeza tinha apenas do vazio que fazia dela a mais oca das criaturas. Aladas ou não.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Cotidiano



O cheiro morno do café invadiu-lhe as narinas. Que saudade do mundo! Deitara para tirar seu cochilo e dormira 29 dias. Estranho, mas sabia quantos dias tinha dormido. Não foi fácil levantar a cabeça. As nuvens do sono ainda pairavam sobre ela e o mundo parecia embaçado. Mas, animado pelo cheiro pesado e vivo do café, levantou-se.
A família, incrédula, boqueabriu-se. Já a esposa contava o pouco dinheiro que tinha para o funeral. Ele sentou-se como há vinte e nove dias. Os filhos, o neto, a mulher ainda sem dizer palavra, pelo menos nada em nosso idioma ou em qualquer outro conhecido. A torrada foi besuntada com a manteiga. O café adoçado. Comeu pacientemente. Até que o filho disse “bom dia, papai”, “bom dia, meu filho”. Mais silêncio.
Foi ao banheiro para fazer a barba. A lâmina estava cega. Descartou-a. Pôs uma nova no lugar. Metodicamente, eliminou os pêlos já bastante grandes. Usou um gel ao terminar. Não se deu conta dos olhares pelo espelho. Não via os olhos de interrogação do neto, nem o de decepção do filho mais novo. Estava sendo o que sempre fora, não havia novidade naquilo. Mas, os olhares continuavam seguindo-o pela casa.
Deu comida ao cachorro, lavou o quintal, leu as correspondências. Conferiu as contas, reclamou do salário. Tomou banho, vestiu a camisa de seu clube, viu o jogo, torceu, gritou. Foi ao quarto, deitou-se. Aos poucos, foi sumindo, ficando etéreo, diáfano. Os olhares de lança ainda lá e lá ficaram até que nada mais pôde ser visto. Ele estava sendo o que sempre fora. E a paz voltou ao seio da família.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sobre um desenho de Nill Martins


Olhos
Pulseira
Mão
Sombra
Luz
Completude
Solidão
A pena desenha
Risca
Cria
Os olhos quase matam
A mão me leva aos olhos
E o resto me amedronta
Cabelo adivinhado
O seio antevisto
A pena
Risca
Ilude
A outra pena
Escreve
Ilude
As penas se juntam
Em um poema desenhado
Em um desenho de palavra
Mas, no fundo,
A sombra é que junta desenho e poema.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sem sentido


Não duvido apenas daquilo
Que posso tocar.
Onde andarão meus medos?
Crer já não é tão correto
Quanto era ontem.
Discordo de verdades absolutas
Só para mentir absolutamente
Para mim mesmo.
Carros, eras, mulher,
Amor, dinheiro, solidão...
Tudo passa...
Tudo passa...
Tudo passa...
Mas a dúvida não.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Poema escrito sob o céu


Construo em dois ou três minutos
Duas histórias
De amor
De fuga
De crer...
A quem possa interessar.
Ainda vai haver despedida
Ainda vai haver fim
Ainda vai haver o riso fortuito.
Mas a história
Torta e confusa
Existe e assombra.
Construo por dois dia a fio
Duas ou três histórias
De amor que não é amor
De fuga que é encontro
De crer que não existe...
A quem possa interessar
A despedida
O fim
E o riso.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

História para quem gosta de ser infeliz


A chuva refresca a vidraça. Pelas sarjetas, escorre a culpa do mundo. A chuva lava as ruas, mata um pobre coitado aqui, derruba um barranco lá. A chuva cai. Nem boa, nem má. A chuva cai.
Da janela do meu quarto, vejo a terra alimentar-se da vida do céu. Assim também me sinto: sugador de vidas. Não o vampiro dos livros, das revistas, do cinema, da televisão. Sou um vampiro de minha vida e de todos aquele que me cercam. Anti-social, egoísta e absolutamente contrário a toda forma de felicidade que não seja a que eu designar.
A chuva parou. Melhor sair de casa. Frio. A noite fria me invade os poros, bate-me na cara enquanto caminho pelo calçadão de Icaraí. Caminhar é tudo que ainda tenho. Paro. A noite escura esconde o que é feio, mas não minha estéril solidão: sem filhos, sem amigos. A noite esconde quase tudo, menos minha solidão de estéril.
Desviando-me de uma poça e outra, lembro-me de que hoje vi um desconcertante riso de minha vizinha. Nada haveria de incomum em um sorriso se ele não levasse, tal qual raríssima flor, vinte anos para desabrochar. Floriu e morreu em curto lapso de tempo eterno.
Estranhíssima vizinha. Por toda vida carregará a marca da morte da mãe e os gritos do pai dizendo que preferia ter salvado a mulher a ter visto o rosto da menina. Endurecida, nunca sorria a menina. Com o tempo, esqueceu até de como se chorava. Não sentiu paixões adolescentes, não mostra um sopro de jovialidade. Os olhos errantes, cegos do mundo.
Vinte anos de nada. Vinte anos de quase-vida. Vinte anos de comentários meus, de minha curiosidade mórbida. Hoje, vi seu sorriso. Decepcionado, confesso. Além de mim, só ela era infeliz, solitária. Entrei em casa ainda pensando no sorriso flor rara de minha vizinha. A chuva volta. A chuva refresca a vidraça. Pelas sarjetas, escorre a culpa do mundo. Nem boa, nem má. A chuva cai. A chuva lava o rosto de minha vizinha e forja ali mais um sorriso. Só eu, seco, estéril, egoísta, não tenho coragem de sair da minha condição de vampiro da vida e ser feliz. Fazer o quê? Abro o Manifesto Comunista e volto ao meu mundo de faz de conta.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008


Por enquanto me basta respirar,

ter pressão normal e funções vitais.

Por enquanto isso me basta.

Não quero pensar...

me basta viver.

Viver biologicamente.

Por enquanto me basta

ser um aglomerado de células,

uma grande reação química.

Por enquanto me basta.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Evapora minha vida


Evapora minha vida
Sobe até o seu palato
E,no céu da sua boca,
Condensa, nuvem beijada.
Precipito-me por seus seios
Chovo-me por seus poros,
Chuva suada.
Escorro por suas ancas,
Deposito-me em suas entranhas,
Poça exausta.
Evapora minha vida
Com o calor de seu útero
E de novo sou nuvem,
Presente e dócil,
No céu de sua boca.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Poema para Arthur


Olhar para além
e ver-te quente invisível
e ser-te parte e todo
trinos e unos
nós, pai, e mãe, e filho
espíritos e santos
quando, ainda célula,
pulsavas em nós, universo inteiro
e nós, pais de filhos sonhados,
sonhamos teu corpo na tela de riscos
e chuviscos
choramos tua presença doce e inquietante
e nós, unos e trinos
juntos
como nunca mais
entraremos na vida juntos
nasceremos quando nasceres
e viveremos na sua vida

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Visão


Nunca vira mulher como aquela. Dir-se-ia que flutuava pelas enlameadas ruas daquele fim de mundo. Era Eva, Afrodite, Vênus, Lilith, Artêmis ou qualquer outra visão divina, mas, definitivamente, não era deste mundo medíocre.
Na primeira vez que a viu, pensou que os sentidos o traíam. Um cheiro de jasmim anunciou a mulher e um clarão que cegava a sucedeu. Nada sabia sobre ela, mas se sentia apaixonado. Parecia fantástica, irreal, um conto de Gabriel García Márquez ou coisa que o valha. Uma mulher que era anunciada por jasmim e seguida pela luz.
Temeu não vê-la mais. E, de fato, levou tempo para de novo tê-la em seus olhos já que a tinha sempre e para sempre em seu coração, se é que o coração guarda o amor. Desta feita, viu seu rosto mais detalhadamente e a certeza que já tinha cresceu tanto que explodiu em forma de um copioso riso, como se fora um condenado a rir da morte porque tinha certeza de sua própria inocência. Ela percebeu, mas não riu. Espantou-se, mas continuou pairando sobre a lama do subúrbio e flanando por sobre o mundo.
E passaram-se dias, meses-anos, luas, sóis-nuvens, saudades e vontades. Quando a viu pela terceira vez, soube seu nome: Tereza. Encantado, cantou músicas infantis, aprendeu a flanar, pediu-lhe a mão em casamento, ouviu o redondo não, mas sentiu-se feliz pois ouvira a serenata de Deus.
Normalmente, aqui morreria mais um de meus personagens, não este. Porque quem é capaz de um amor como o dele, que não existe e que ainda assim se sustenta, não morre. Viveu só para sempre, mas viveu sustentando o mundo de amor por séculos e séculos e séculos e séculos e séculos e séculos, amém.