terça-feira, 8 de janeiro de 2008

História para quem gosta de ser infeliz


A chuva refresca a vidraça. Pelas sarjetas, escorre a culpa do mundo. A chuva lava as ruas, mata um pobre coitado aqui, derruba um barranco lá. A chuva cai. Nem boa, nem má. A chuva cai.
Da janela do meu quarto, vejo a terra alimentar-se da vida do céu. Assim também me sinto: sugador de vidas. Não o vampiro dos livros, das revistas, do cinema, da televisão. Sou um vampiro de minha vida e de todos aquele que me cercam. Anti-social, egoísta e absolutamente contrário a toda forma de felicidade que não seja a que eu designar.
A chuva parou. Melhor sair de casa. Frio. A noite fria me invade os poros, bate-me na cara enquanto caminho pelo calçadão de Icaraí. Caminhar é tudo que ainda tenho. Paro. A noite escura esconde o que é feio, mas não minha estéril solidão: sem filhos, sem amigos. A noite esconde quase tudo, menos minha solidão de estéril.
Desviando-me de uma poça e outra, lembro-me de que hoje vi um desconcertante riso de minha vizinha. Nada haveria de incomum em um sorriso se ele não levasse, tal qual raríssima flor, vinte anos para desabrochar. Floriu e morreu em curto lapso de tempo eterno.
Estranhíssima vizinha. Por toda vida carregará a marca da morte da mãe e os gritos do pai dizendo que preferia ter salvado a mulher a ter visto o rosto da menina. Endurecida, nunca sorria a menina. Com o tempo, esqueceu até de como se chorava. Não sentiu paixões adolescentes, não mostra um sopro de jovialidade. Os olhos errantes, cegos do mundo.
Vinte anos de nada. Vinte anos de quase-vida. Vinte anos de comentários meus, de minha curiosidade mórbida. Hoje, vi seu sorriso. Decepcionado, confesso. Além de mim, só ela era infeliz, solitária. Entrei em casa ainda pensando no sorriso flor rara de minha vizinha. A chuva volta. A chuva refresca a vidraça. Pelas sarjetas, escorre a culpa do mundo. Nem boa, nem má. A chuva cai. A chuva lava o rosto de minha vizinha e forja ali mais um sorriso. Só eu, seco, estéril, egoísta, não tenho coragem de sair da minha condição de vampiro da vida e ser feliz. Fazer o quê? Abro o Manifesto Comunista e volto ao meu mundo de faz de conta.

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá tio Alex!!
gostei muito do texto de hoje..
e posso dizer que conheço pessoas
como o texto descreve:pessoas
que são egoístas e só gostam de que sua opinião seja a única a
ser ouvida!!
Realmente esse texto é para reflexão!!

Beijos!!

Unknown disse...

Tio Alex, goStei muito deSse texto, ele é seu?
Pois é...há vampiros da vida que acabam sugando a nossa com sua infelicidade perto de nós!
Tô correndo de gente assim!
Adorei também o quadro!Adoro as versões que fazem pra foto dessa mulher que esqueci o nome!
SaudadeS de você!
beijo grande.

Nilson Tacito Silva Martins disse...

nao ha um adjetivo pra explicar...
na falta de um melhor... estah.. FODA!!!
serio...
as eh isso q eu acho maneiro...
tipo...
vc jah leu "batman - cidade castigada"?!
parece q vc acrescentou algo ao inicio e...
foda ...
simplesmente....

Cicil disse...

Noooooooossa... Incrível. Só não consigo entender de onde vc tira essas suas idéias... vc é ph.d !!! Eu atrás de vc sou um jumento, concorda?