Nada além da janela de seu quarto lhe era dado conhecer. Desde sempre fora assim. A doença resolveu morar nela tão logo a luz encheu seus olhos. Luz. A pouca luz que chegava ao claustro nem de longe tinha a intensidade daquela primeira, tênue lembrança.
Os seguidos frascos de soro. O braço sem espaço para novas invasões de agulhas. Morria todo dia. Morrera ao nascer. Sua morte nasceu com ela, posso dizer. Eram gêmeas. O ar de seu quarto era sempre o mesmo. A luz de seu quarto era sempre a mesma fria luz.
Não havia diferença entre noite e dia. “separe-se a noite do dia”, gritava biblicamente. Nem noite, nem dia. As horas lentas, os dias mais lentos. Os dias lentos, os meses mais lentos. Anos assomavam-se. Arrastava-se o tempo como bem queria naquele quarto. Não havia diferença. Não fazia falta o tempo ou a ausência dele.
Ainda pouco, nasceram pêlos vergonhosos. Doía-lhe o peito. Avolumaram-se os seios. Agora a voz do doutor a aquecia. Agora, as mãos do doutor eram mais quentes. As mãos do doutor, sua barba, o peso de seu corpo, o prazer. Acorda suada. Os sangues. A mãe explicou detalhadamente todo o processo de tornar-se mulher. A mãe ensinava tudo. Ler, escrever, pensar, ver horas. A mãe ensinava tudo.
As visitas do doutor são esperadas. As dores passaram, mas é bom que o doutor venha. Espera. Descobre as pernas brancas pela ausência de sol. As mãos quentes dele. Aguardará com ânsia o próximo exame. Vai sonhar-se em campos floridos sob o peso másculo do doutor. Vai sonhar-se arrancado com as mãos de prazer a grama onde deita, onde o doutor é só seu.
Acordada, olha a janela. Fronteira intransponível. Arranca o soro. Não se importa em estancar o sangue. Com dificuldade faz as pernas moverem-se. De uma vez, senta-se. Põe os pés no chão. Frio? Era o inédito chão sob seus pés. O chão sem ajuda da mãe, finalmente. Passo a passo. Lenta. A janela, fronteira intransponível. A dois passos da janela, sente-se tonta. Volta. Não! Ela quer o mundo, os campos floridos, as cidades imundas. Ela quer o mundo que por tanto tempo foi-lhe roubado. Gira a tranca. Empurra a janela. A vida invade seus pulmões e ofusca seus olhos. A vida finalmente nascia para ela.
Os seguidos frascos de soro. O braço sem espaço para novas invasões de agulhas. Morria todo dia. Morrera ao nascer. Sua morte nasceu com ela, posso dizer. Eram gêmeas. O ar de seu quarto era sempre o mesmo. A luz de seu quarto era sempre a mesma fria luz.
Não havia diferença entre noite e dia. “separe-se a noite do dia”, gritava biblicamente. Nem noite, nem dia. As horas lentas, os dias mais lentos. Os dias lentos, os meses mais lentos. Anos assomavam-se. Arrastava-se o tempo como bem queria naquele quarto. Não havia diferença. Não fazia falta o tempo ou a ausência dele.
Ainda pouco, nasceram pêlos vergonhosos. Doía-lhe o peito. Avolumaram-se os seios. Agora a voz do doutor a aquecia. Agora, as mãos do doutor eram mais quentes. As mãos do doutor, sua barba, o peso de seu corpo, o prazer. Acorda suada. Os sangues. A mãe explicou detalhadamente todo o processo de tornar-se mulher. A mãe ensinava tudo. Ler, escrever, pensar, ver horas. A mãe ensinava tudo.
As visitas do doutor são esperadas. As dores passaram, mas é bom que o doutor venha. Espera. Descobre as pernas brancas pela ausência de sol. As mãos quentes dele. Aguardará com ânsia o próximo exame. Vai sonhar-se em campos floridos sob o peso másculo do doutor. Vai sonhar-se arrancado com as mãos de prazer a grama onde deita, onde o doutor é só seu.
Acordada, olha a janela. Fronteira intransponível. Arranca o soro. Não se importa em estancar o sangue. Com dificuldade faz as pernas moverem-se. De uma vez, senta-se. Põe os pés no chão. Frio? Era o inédito chão sob seus pés. O chão sem ajuda da mãe, finalmente. Passo a passo. Lenta. A janela, fronteira intransponível. A dois passos da janela, sente-se tonta. Volta. Não! Ela quer o mundo, os campos floridos, as cidades imundas. Ela quer o mundo que por tanto tempo foi-lhe roubado. Gira a tranca. Empurra a janela. A vida invade seus pulmões e ofusca seus olhos. A vida finalmente nascia para ela.
4 comentários:
Bem, eu não tive aula com você, exceto por um mês no qual você me vendeu aula no pré. Então não dá pra dizer que lhe conheço, que você é a pessoa mais especial do mundo como 99,9% dos alunos que te conhecem fazem. Mas mesmo assim eu queria comentar sobre o blog, porque ficar falando de homem é horrível, prefiro apenas comentar o texto. :P~
Só a imagem de Botticelli já seria suficiente pra engrandecer o texto, mas a narrativa conseguiu me prender, não sei o porquê. Eu não costumo gostar de contos assim, digamos, mais femininos. (rsrs), mas admito que fiquei muito surpreso ao ver-me lendo e relendo pra entender e esmiuçar todas as possibilidades de interpretação em cada frase.
Eu gostei muito e espero que você em breve coloque outros de seus textos para que todos possam se divertir (ou não) com eles.
Um abraço e saudações rubro-negras =)
"bom mt bom !!!"
serio...
nao me lembro de ter lido algo escrio por vc antes...
e ...
gostei...
serio...
meio descrito...
td mundo q eh phd eh...
meio dark? vc lia gibi do frank miller? hehe
heheh , falando serio..
tah mt bom...
Parabéns!!!
Simplesmente maravilhoso!!!
Espero poder ler outros textos de sua autoria.
Você é realmente "BOM" no que faz.
Tá tudo lindo demais, espero poder ter o prazer de sempre "te ler" rsrsrsrs
Um grande beijo pra vocês três!
Mariana dos Santos Souza
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